domingo, 27 de dezembro de 2020

Sou uma casa em chamas.


Eu sou uma casa em chamas. Se alguém me tocasse agora, explodiria em faíscas que congelam. 

Queimo do sótão ao porão, sinto meus pulmões que inflam, vejo meu Deus interno aprisionado, solitário, solicitando socorro.

Eu estou em chamas. Nunca houveram momentos em que estive melhor. A dor clama para ser vencida pelo pior, cedida pela morte que não há de chegar. 

Oh céus, se já quis outrora me livrar desse corpo que outorga essas internas guerras tais, cujo único intuito era me afastar dessa queda constante, hoje não mais. 

Eu já fui gelo impenetrável em outros momentos, e solicitava arduamente pelo fogo que não chegava. 

Jazia em mim pétalas mortas de quem eu deveria ser, mas nunca fui. Nunca estive. 

Eu sou uma casa em chamas. Mas ainda ha um quarto vazio, trancado, sem chave, sem permissão para entrar. Ainda ha um comodo impenetrável, provavelmente sujo pela poeira que o assola, mas sem chamas à vista. Cômodo sem incomodo, ausente de ruínas aguerridas, onde o cheiro de enxofre não atiça a entrada de pessoas melancólicas que também dançam imaginários rabiscados de uma morte prematura e incerta. 

No tardar das noites escuras e emaranhadas, que rasgam o peito com cantos estranhos de pássaros negros, mantem-se minhas constantes chamas, total perigo do meu ser.

Uma historia que preciso conter para não repetir aos olhares alheios, que tanto me olham mas não me veem. Uma lástima contar as mesmas historias que lacrimejam amargos momentos sobre uma dor que ha 14 anos ja converso traumas à ouvidos que não me ouvem.

Ao inicio dos meus 20 revigorei. Queimaram minhas bochechas com palavras tolas e medíocres sobre quem eu deveria ser, borboletas azuis voavam a vontade em meu abdômen, e eu gostei da estranheza de tentar me pertencer à quem eu não era. Desnudaram-me da melancolia presente. Despedi-me de quem eu estava, mas ainda carrego comigo entradas e portas particulares que vez ou outra me levam para estas lembranças efêmeras.

Eu pego fogo e me envergonho de quem já fui.

Me recordo verazmente dessa primeira paixão que me moldou, e das seguintes outras 10 que também falharam. Eu falhei. Falharam comigo. Repetiram ataques inimigos que me mantiveram presa a mim somente, rabiscando imaginavelmente laços frouxos e envolventes, que jamais serão refeitos.

Foi horrível confesso, a prisão que congela. Perfeição de um estado catastrófico que some e reaparece na ausência de solícitos de aval para entrada. Faíscas que acendem e apagam, reluzentes como confetes de enfeite, pisca-pisca em um natal deprimente.

Eu queimo e me despejo da casa que consegui, sozinha e com muito esforço, levantar e reconstruir, pela centésima-décima-sétima vez em quase 24 verões. 

Me amaldiçoaram por tanto tempo, que inclusive no agora ainda teimo em fugir para longe de mim, me afasto e me reprimo como inicialmente ensinaram-me nos primórdios da minha vida. 

E por fim celebro o célebre momento que ha de chegar, quando as chamas apagarem, quando a ultima faísca cessar, e eu precisar levantar novamente cada cômodo, cada móvel danificado.

Eu sou uma casa em chamas, mas juro que eu só queria não ser, não estar, não mover o que construí, não levantar, não reviver, nem perder o que venci, não queimar meu corpo nesse chão gélido e sem vida, como assim o fiz nesses últimos 14 anos que me percebo escrevendo sobre a mesma tristeza que insisto em reforçar e trazer comigo. Palavras sobre a mesma raiva que carrego, infinita. Desejo antigo de me abster dela.

Eu imploro para ser retirada dessa casa em chamas, clamo para deuses que não creio a me ajudarem a fechar essa ferida aberta que tanto sangra. Vou me manter na constante torcida pra não me sentir tao sozinha. Desenterrar sonhos que eu mesma enterro em mim, comigo e meus sete demônios, a muitos palmos abaixo da terra, com meus questionamentos tolos e medos que me arrebatam pra longe de todos: 

Eu me reconheceria tao bem se não estivesse constantemente queimando?

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