segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

eu me abandonaria se eu pudesse.

eu me deixaria se eu pudesse 

eu juro, se eu conseguisse, abriria um zíper onde meus braços não alcançam e abraços nunca chegam 

removeria toda a carcaça de dentro e tentaria um provável fracasso ao me permitir ser quem eu deveria enquanto a melancolia não marcava tamanha presença 

abandonaria esse corpo pequeno demais para os sonhos que desenho imaginavelmente alcançar 

relutente, peço perdões à minha pessoa por não conseguir estar sempre presente, consciente em demasia sobre os terrores que tanto me assombram na morte que se faz minha vida 


eu me abandonaria se pudesse 

abriria ao meio esse corpo que persiste anular a felicidade que não chega 

e por que caralhos não chega? 

eu procuraria aumentar essa pequena fresta de luz enquanto a escuridão se ausenta 

tão pequena que talvez eu nunca a encontre, porém reconheço, existe em algum lugar 

escondida, emaranhada na imensidão de características tão frutíferas que adentrei 

e nunca concluí 

eu sei, inóspita em demasia, na maresia de lágrimas próprias que emergi há tanto, e nunca voltei 

confesso que nunca soube como remar de volta, jamais houvera uma ocasião permanente que me permitisse aprender a nadar em busca do que desde criança ousei sonhar 


água fresca para repousar 

situação corriqueira que tanto me prende a um corpo que tanto insiste em pegar fogo 

uma mente que tanto clama para que o silêncio chegue num futuro não muito longe 

insinuo delírios distantes 

por que tanto resisto às cores que as vezes tentam tocar o meu preto no branco? 

meu cinza, monótono, morno 

me envolvo em braços frouxos que se negam a me segurar, antes de sequer sentir resquícios do cheiro de enxofre que tanto me mantém ocupada em resistir à beleza da natureza lá fora 


à tristeza que penumbra minhas entranhas, belisca e arranha minha pele fina e já quase escassa de brilho em tão pouco tempo de vida: uma lástima, querida, nunca fostes bem vinda 

nem mesmo os sete demônios que me habitavam na morte que se fizera minha vida, arriscaram ficar 


se eu pudesse, abriria um zíper da cintura à nuca e mandaria todos aos infernos que por tanto tempo me fizeram vivenciar 

gostaria de voltar ao passado e gritar a todos sobre os segredos que os homens ousaram guardar 

aliciaram sim, as partes de mim 

toques em partes que uma pessoa tão nova não deveria sentir tocar 

se eu pudesse abrir um buraco no peito e remover toda a sujeira que adultos guardaram aqui por tanto tempo, até que o tempo se tornasse apenas um buraco negro em lento movimento, me puxando cada vez mais para dentro, enquanto me torno essa adulta frustrada, perdida, clamando para ser compreendida e respeitada 


incógnita. inóspita de mim, uma casa em chamas, de janela única, impossível de fazer entrada 

se eu pudesse definir os horrores que me assombram desde os primórdios da vida, desenvolveria uma equação infinita, quase impossível de se resolver 

e eu teria a mim, a torcer para que encontrassem um meio de me fazer sofrer menos 

tornar o caos menor 

proporcionar o sentir-me maior do que de fato sou ou algum dia serei 


meu estado em constante alerta me permite nesse instante perceber o quão sofríveis são os momentos claustrofóbicos que instigam o sofrer 

e eu tanto busquei a morte como se fosse minha única saída, melhor amiga, o único ar possível de se respirar 

eu nunca quis me ausentar do viver 

eu só preciso subir até o raso, onde as ondas repousam e a maré é tranquila na maior parte do tempo 

no entanto, como sempre insegura a hesitar, é impossível não questionar-me: como remover das vistas perceptivas esse manto melancólico que me cobre em vida? 


se eu pudesse me abandonar, nunca mais voltaria.

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